Rio de Janeiro,
Brazil
May 10, 2000
Esporte
Taboo
O poder negro
Livro americano tenta
explicar o que a
genética tem a ver com a supremacia dos
africanos e seus descendentes nos esportes
Maurício Cardoso
A realidade é eloqüente: os negros
dominam hoje a maioria dos esportes mais populares do mundo. Todos os
recordes mundiais de corridas do atletismo que vigoram foram estabelecidos
por africanos ou seus descendentes. São maioria na NBA, a milionária
liga profissional de basquete dos Estados Unidos, bem como no futebol
americano e no beisebol, os esportes mais praticados e de maior audiência
na América do Norte. No futebol, esporte no qual o Brasil é um
dos maiores expoentes, eles ocupam cada vez mais espaço em times e seleções
da Europa, um continente predominantemente branco. Os negros representavam
um terço da seleção francesa que venceu a última Copa do Mundo. As seleções
de maiores atletas do século XX são invariavelmente encabeçadas por
três negros extraordinariamente geniais: o pugilista Muhammad Ali, o
jogador de basquete Michael Jordan e Pelé. A questão, evidentemente,
é por quê? Há várias explicações possíveis. A mais razoável é que
o esporte é um clássico instrumento de ascensão social para os
mais pobres (caso dos negros nos Estados Unidos e também no Brasil).
Outra explicação, difícil de comprovar, é de que simplesmente a
natureza criou os negros com maior capacidade para a prática esportiva.
A tese de que raça faz a diferença nos esportes não é nova (Adolf
Hitler organizou uma olimpíada em Berlim em 1936 com o objetivo de consagrar
a superioridade física ariana, e saiu humilhado do estádio), mas está
novamente em cena, reaquecida por uma mistura de estatísticas esportivas
e ciência, num livro recém-lançado e que está causando polêmica nos
Estados Unidos: Taboo Why black athletes dominate sports and
why were afraid to talk about it (Tabu Por que os atletas
negros dominam o esporte e por que nós temos medo de falar disso). O
autor, o jornalista Jon Entine, reconhece que as influências geográficas
e culturais são grandes e as diferenças genéticas, mínimas. Mas sustenta
que, no esporte de alta competição que se tem hoje em dia, são esses
pequenos detalhes que diferenciam um campeão de um mero participante.
Pesquisas demonstram que os atletas de elite negros têm uma estrutura
óssea e muscular diferente, um sistema metabólico e outras características
forjadas em dezenas de milhares de anos de evolução, escreve Entine.
Se ninguém fala nisso claramente (daí o tabu do título), provoca Entine,
é porque os americanos temem legitimar a existência de raças humanas
e fornecer munição aos racistas. O risco é realmente grande. Uma
vez que se isole uma característica genética numa população racial,
mesmo que vantajosa, abre-se caminho para que se encontrem outros atributos
raciais, alguns bem ruins. No século XIX, quando se cunharam as bases
do racismo moderno, partiu-se do pressuposto de que os brancos não apenas
eram mais inteligentes, mas também melhor fisicamente. Hoje é impossível
manter a mentira da fragilidade física da população africana, mas não
falta quem diga que isso ocorre para compensar uma natural escassez
de inteligência. De modo geral, a ciência moderna considera a noção
de raça puramente subjetiva, uma idéia social sem maior sentido biológico.
As diferenças genéticas entre indivíduos de uma mesma população podem
ser maiores do que as existentes entre populações distintas. Significa
que os branquíssimos finlandeses podem ser geneticamente mais parecidos
com os moçambicanos do que um finlandês com outro finlandês.
Nenhum estudo da biologia molecular descobriu a chave do sucesso esportivo
dos africanos. O que se tem é puro palpite, a maioria infeliz.
A supremacia esportiva dos negros se tornou notória a partir dos anos
60, depois que os países africanos conquistaram a independência política
e aumentaram sua participação em competições internacionais. A partir
desse momento, começou também a investigação e a procura de explicações
para o fato. Uma tese atrevida refere-se à depuração natural feita com
a importação de africanos como escravos para a América. Os traficantes
evidentemente escolhiam o melhor exemplar da raça. Só os mais fortes
resistiam à viagem e, para completar, os patrões promoviam a reprodução
entre os melhores. O resultado teria sido a seleção de um time de super-atletas.
Não é uma boa explicação, pois os excelentes atletas africanos
da atualidade seriam os descendentes da escória rejeitada.
Teorias raciais sempre devem ser encaradas com desconfiança, pois em
geral são produzidas sob encomenda para demonstrar preconceitos. Por
mais intrigantes que sejam, a influência do meio ambiente ainda é a
explicação mais razoável para a supremacia de determinada população
num esporte específico. Num artigo crítico, o jornalista Jim Holt, do
prestigiado The New York Times, observou que se Taboo tivesse sido escrito
nos anos 30 teria de começar com a afirmação de que o basquete é um
esporte de judeus. Acreditava-se então que os judeus tinham por natureza
a ginga, a velocidade e a visão ideais para o esporte. A razão não estava
na genética, evidentemente. O basquete sempre foi o esporte dos bairros
pobres americanos. Nos anos 40, os judeus começaram a deixar as favelas
e foram substituídos pelos negros recém-chegados do campo e o
perfil étnico do basquete mudou junto.
Até 1960, os brancos eram maioria nas filas dos times de basquete
da liga americana na mesma proporção dos negros hoje em dia: 80% contra
20%. No início do século XX os finlandeses dominaram as corridas de
média e longa distância com a mesma eficiência revelada pelos africanos
hoje. A seleção brasileira que está disputando as eliminatórias da Copa
do Mundo é composta majoritariamente por jogadores com doses variadas
de ascendência negra. Quando ganhou a primeira Copa, apenas metade estava
na mesma condição. Aliás, no Brasil, esse tipo de raciocínio não leva
a nenhuma conclusão como saber qual herança genética, se a africana,
a branca ou a índia, era responsável pelos dribles maravilhosos de Mané Garrincha?
Do ponto de vista estatístico não existe dificuldade em identificar
habilidades e talentos variados de uma determinada população em determinada
atividade. Os russos são os melhores jogadores de xadrez, assim como
os orientais revelaram-se excelentes instrumentistas de corda nas grandes
orquestras do mundo ou os cubanos são os melhores em cima de um ringue
de boxe. A dificuldade de transpor isso para a genética é que se
trata de situação volátil. Da mesma forma que existem esportes dominados
pelos negros, em outros os brancos são imbatíveis. O tênis, o golfe
e a natação são exemplos disso. Ninguém ousa explicar geneticamente
a supremacia do branco Mark Spitz, o mais notável nadador olímpico de
todos os tempos. Além do biotipo adequado para a prática do esporte,
ele contava com um pai-treinador que o orientava com mão de ferro e
repetia todo dia a seus ouvidos: O importante não é nadar,
é vencer.
Já se tentou explicar a ausência quase total de campeões negros nas
piscinas com base nas diferenças fisiológicas. De acordo com essas teorias,
os negros teriam maior densidade óssea, o que dificultaria sua flutuação
na água. Os aspectos socioeconômicos pesam muito mais que a massa de
ossos e músculos. O acesso às piscinas é mais difícil para os pobres.
Isso explica, em parte, por que esportes como o basquete dos negros
americanos, ou o vôlei dos negros cubanos, sejam predominantemente branco
no Brasil. Aqui, os negros se sobressaem de maneira significativa nos
esportes de acesso mais democrático, como o futebol e o atletismo, que
não requerem equipamento especial ou filiação a clubes. Deve-se considerar
também a oportunidade de ascensão social rápida e segura oferecida pelo
futebol. O inglês Linford Christie, negro e campeão dos 100 metros nas
Olimpíadas de Barcelona, passou por tudo isso. Ele acha bobagem a idéia
de que os negros contam com a vantagem de uma carga genética favorável.
O que carregam é uma carga de preconceitos, de barreiras sociais
e econômicas mais pesadas, que os impede de prosperar em outras atividades
profissionais. A grande chance de ascensão social do negro é o
esporte, e nós corremos todos para ele, diz Christie. A genética
é o que menos importa.
A supremacia da cor
Entre 1960 e 1996, atletas africanos
ganharam 41% das medalhas disputadas em provas de média e longa distância
do atletismo nas Olimpíadas
Todos os atuais recordes mundiais de corridas do atletismo foram
estabelecidos por africanos ou seus descendentes
80% dos jogadores de basquete da NBA são negros
Onde os negros não entram
Nunca houve um piloto negro na Fórmula 1
Somente dois negros já fizeram parte da elite do tênis mundial
Apenas três negros já estiveram no pódio da natação em Olimpíadas
Os campeões da hora
Sempre houve países que dominaram um
esporte em determinado momento
OS FINLANDESES VOADORES
De 1912 a 1936, os finlandeses ganharam 38% de todas as medalhas das
provas de média e longa distância do atletismo nas Olimpiadas
OS PEIXES JAPONESES
Entre 1932 e 1960, os japoneses ganharam 33% das medalhas disputadas
na natação masculina das Olimpíadas
AS BAILARINAS RUSSAS
Entre 1952 e 1992, as ginastas da antiga União Soviética só deixaram
de subir ao pódio uma vez em sessenta oportunidades
OS BRASILEIROS TURBINADOS
Entre 1911 e 1992, o Brasil venceu um de cada três campeonatos de Fórmula
1